segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Silêncio

"(...) eu devia me expor a você, sem reticências, sem jogos... mas ao mesmo tempo eu tinha medo de me dissolver, de me perder, de não ser mais eu, mas apenas um ser apaixonado... e tinha principalmente vergonha da minha ansiedade, da minha carência... se eu as exibisse a você, talvez você se assustasse e fugisse... e então eu ocultava os meus excessos, me mostrava distante, forte, blasée... e o que acabava mostrando era um arremedo de envolvimento, mesmo sabendo que isso nos fazia mal... eu odiava a dependência, a sujeição, a espera contínua por uma palavra, um gesto... era como se você fosse Deus e estivesse em suas mãos decidir a minha felicidade ou a minha desgraça... como suportar o fato de estar inteiramente subjugada a você? Como suportar teus atrasos, tua ausência... como ficar à espera e olhar para o relógio e sentir o tempo passar e construir mil histórias sobre o atraso... primeiro te desculpando, depois te acusando e prometendo a mim mesma fazer um escândalo quando você chegasse... e quando você chegava, eu ficava tão perturbada, tão feliz, tão grata, que esquecia completamente a raiva e a humilhação da espera... fico pensando no tempo em que desperdicei tentando dissimular. mascarar minha incontrolável dependência de você... durante meses ocultei minha loucura, me contive, sufoquei, fui civilizada... civilizada na minha fúria, civilizada na minha dor, civilizada em momentos que não devia ser..."


Maria Adelaide Amaral-Teatro Completo 

domingo, 21 de agosto de 2011

Embaixo das suas mil camadas de interesses por tudo. Embaixo das mil peles de ansiedade. Existe o menino que nunca tiro do coração. Saudade. Banshee Beat é a música mais linda dessa tarde. E você o menino que nunca tiro do coração. Saudade. Você achando que sentíamos igual por causa do beijo profundo e do olhar dolorido. Você é o menino que nunca tiro do coração. Saudade. Você querendo tirar foto da minha sala. Como se viver fosse o seu turismo eterno. Você sanduíche e eu uma carne de minhocas apaixonadas. Você fazendo a dança do "levar o lixo lá fora" e eu deixando você ver como tenho medo de gostar. Você é o menino que não tiro do coração. Você querendo mandar fósforo pra queimar o presente que tinha acabado de mandar. Todas as suas grosserias e erros chegam sempre com graça. Você me ligando de madrugada. "Vou te processar se você escrever sobre mim". Eu querendo escrever no céu, no peito de Deus, no meu fígado. Você indo embora dizendo não saber gostar só de mim. Eu pensando apenas que roupa colocaria pra quando você voltasse. O amor corre separado. Você longe de mim por país, por peito, por intenções. E nas músicas, nos livros, nas piadas de youtube, na pele dos outros, na minha ilusão. Você tocando alto o violão, fugindo da foto pra fazer o efeito borrado, me roubando da fila da livraria para um cantinho. Você pra sempre. Em todo espaço, em todo branco, em todo homem, você é o menino que não tiro do coração. Errado, distante, esquecido, apagado e pra sempre. Você me dizendo "não vou te fazer esperar, mas um dia..." Você a desgraça boazinha. Você o "um dia" que não foi quando o dia chegou. Ouço você através de tudo o que é bonito. Toco você em tudo que peço socorro ou só rotina. Você o menino que nunca tiro do coração. Pode ir pra longe, em paz, com ela, sem mim. 

Tati Bernardi

Eu contra...

Meu inimigo não está lá fora, não tem um rosto, um emprego, uma família, não tem sequer um nome, não há nada físico que eu possa xingar, bater e, quem sabe até, em um momento de loucura, matar. A batalha é diária, o sofrimento é latente e o inimigo, uma parte de mim. É a minha parte enferma, o tumor que ocupou a alma, que comprime, sufoca, corrói. Não há um só dia que eu não me coloque de joelhos e me curve para, inutilmente, tentar tirá-lo de mim. Não há um só dia. Nunca consigo. E os dias passam, e ninguém percebe, e eu me sinto cada vez mais refém, um dos lados de uma guerra sentenciada, perpétua, possivelmente, perdida. Estranhamente, as maiores batalhas são contra nós mesmos, contra o que nos tornamos com o passar dos anos. E muitas vezes não há como vencer... ao menos, não sozinhos. Por isso, é possível que o primeiro combate a ser vencido, o primeiro passo a ser dado, seja reconhecer, levantar e gritar o mais alto que puder: “Eu preciso de ajuda.”


Angel.
E como disse Khaled Hosseini, em O Caçador de Pipas, “não é verdade o que dizem a respeito do passado, essa história de que podemos enterrá-lo. Porque, de um jeito ou de outro, ele sempre consegue escapar.”. E por mais que eu queira esquecer, por mais que eu deseje voltar o tempo, jamais vai acontecer. Eu terei alguns dias tranquilos, solitários, dias em que estes pensamentos irão se esconder, mas, na maioria deles, eu terei de conviver com fantasmas que gritam aos meus ouvidos um conjunto de frases que sempre terminam com a mesma expressão. “Não posso fazer nada, então, se vira”. Não sei ao certo o que eu poderia ter feito para que o fim não fosse este, mas, isso não me impede de, todos os dias, pedir perdão.

E a vida é assim... Simples assim.

Angel.
"Digo que perdôo, ofereço cafezinho, lembro dos bons momentos, digo que os ruins ficaram no passado, que já não lembro de nada, pessoas maduras sabem que toda mágoa é peso morto: faz de conta que eu não sofro..."

Martha Medeiros

Levar um fora é poesia pura pra quem se agarra em ver beleza em tudo.


"Radiohead, Chico Buarque, Drummond, o amor, beijar você. Desculpa, mas eu não mexo com alucinógenos". E com isso ele partiu pra sempre. Não sem antes dizer a melhor frase que já ouvi. O elogio mais terrível. O adeus mais lindo. E sair sacudindo seus cachos no sol de inverno.Eu amo demais a mesma pessoa de sempre que não existe. Se um dia eu puder enxergar qualquer pessoa pra fora dessa cena criada e ensaiada e feita todos os dias, eu realmente serei livre pra amar.Eu me relaciono há 32 anos com essa pessoa. Ela vai e volta. E não existe. Eu não amo, eu faço entrevista de casting pra cena que tá na minha cabeça. O escritor sente tanto o que não existe. Intensidade superficial.

Tati Bernardi




Texto retirados de tweets da escritora.